Toda organização é um sistema vivo, dinâmico, no qual atuam forças que são geradas e modificadas gradativamente, a partir de sua constituição e ao longo de sua história, pela ação dos elementos componentes do sistema, ou seja, as pessoas que atuam na organização, e pela energia e a qualidade dos vínculos entre essas pessoas e entre esse sistema e o contexto no qual está inserido – o sistema de ensino, o mercado, a sociedade, os fornecedores, entre outros.
Como um elemento do sistema, o membro de uma organização é parte de um grande TODO, QUE É MAIOR QUE A SOMA DAS PARTES. Todo sistema vivo, como toda organização, “quer” as mesmas coisas: SOBREVIVER, mantendo o melhor equilíbrio possível, e CRESCER, obedecendo o fluxo natural da VIDA, na direção da prosperidade, do êxito e do cumprimento de sua missão. O ser humano vive em sistemas. Mesmo quando está só, ou mesmo quando executa tarefas solitárias, ele é parte de algo maior. A família, a religião, a instituição em que atua como voluntário, o clube, a empresa onde trabalha. Em cada um dos sistemas em que atua, o ser humano dá e recebe. Em cada sistema ocupa um lugar (ou mais de um), cumpre funções e executa tarefas, o que lhe dá a confortável e necessária sensação de pertencer. A mesma pessoa é o principal líder de um movimento, às vezes é seguidor. Em alguns sistemas e funções a pessoa pode sentir-se mais à vontade, em outros mais pressionada. Em alguns é mais responsável, em outros menos. Em nenhum dos sistemas do qual faz parte, porém, o ser humano é uma manifestação isolada da vida. Em nenhum deles é um “zero à esquerda”, um peso morto, um inocente. Todos, em todos os sistemas do qual participamos, somos AGENTES.
O pensamento sistêmico tem sua origem nos grandes filósofos da antiguidade. De tempos em tempos é revisto, retomado e serve de base para avanços em diferentes disciplinas, da Biologia à Psicologia, passando pela Engenharia, a Música ou a Administração de Empresas, a visão sistêmica avança e permite amplia o entendimento sobre a dinâmica da vida. A parte não tem consciência do todo, mas o todo tem consciência das partes. Seja como conservadores ou agitadores, como preservacionistas ou revolucionários, todos estamos num lugar, num momento, fazendo algo por todos. Sejamos ou não conscientes disso, para o pensamento sistêmico, é assim que funciona o viver. Se sou pai me preocupo com o bem estar de meus filhos, se sou filho gero preocupação para meus pais, e essa é minha função nesse espaço e nesse tempo. Se sou da equipe de manutenção faço a iluminação funcionar, para que, fazendo a sua parte, o cirurgião possa atuar.
Ao ampliar seu olhar, o agente a serviço do sistema pode não ser capaz de ter consciência do todo, mas certamente ganha força, empodera-se e amplia suas possibilidades. Se somos capazes de colocar o EU para descansar e nos reconhecemos como parte de NÓS, não precisamos abrir mão de quem somos, mas ganhamos uma condição bem mais favorável para fazer a hora e não ficar na beira do caminho esperando acontecer. Uma das mais notáveis características do pensamento sistêmico é o pensamento inclusivo, que gera atitudes tolerantes, escuta ativa, capacidade de ser contrariado, resiliência, diálogo franco, construção coletiva do conhecimento. Por ser mais natural, o pensamento sistêmico não reforça a discriminação, o julgamento (menos ainda o prejulgamento) e não despreza opositores. Do embate de ideias entre NÓS poderá surgir uma VERDADE capaz de abraçar a todos. Isso certamente pressupõe uma construção feita em mutirão. Com as abelhas, formigas e cupins é assim. Nos movimentos migratórios das aves e peixes é assim. Uma “inteligência” coletiva a que todos se submetem e ao mesmo tempo todos são um pouco responsáveis pela execução do projeto de fazer a vida fluir, crescer e prosperar.
Nem mesmo os conflitos, quando travados com ética e lealdade, excluem o oponente. Pelo contrário, o confronto de propostas e ideias exige a presença do
oponente, não como alguém a ser vencido ou humilhado, mas alguém a ser reverenciado como nas artes marciais tradicionais, antes ou depois do embate. Vencidos e vencedores, ao final, merecem a mesma reverência mútua, e aquele intenso movimento de troca energética passa a fazer parte da história de ambos, com honra e méritos para ambos, pois os dois lados deram o seu melhor naquele tatame, numa demonstração de respeito ao oponente. O pensamento sistêmico também reconhece a hierarquia, e sabe que ela não é estática. A cada processo, a cada movimento ou micromomento, a voz de comando pode vir de um elemento diferente do sistema. O líder formal, quando sabe reconhecer que ele nem sempre é o líder, na prática, é capaz de obter o melhor de sua equipe, reconhece os méritos e torna-se menos personalista e mais solidário. Quando alguém falha, todos lamentam, pois todos perdem. Quando sai bem feito, todos celebram. Não se pode comparar, em uma orquestra, a importância de um maestro ou um solista com o de um percursionista. Porém basta imaginarmos o que um percursionista desatento ou fora do tempo seria capaz de fazer, em um único compasso, em uma execução ao vivo de uma sinfonia, que fica bem fácil entender que alguns podem ser mais responsáveis por um projeto, mas não existe ninguém sem importância. Naquele compasso decisivo, o percursionista vale o salário do maestro! Em seu inesquecível relato “100 Dias Entre o Ceu e o Mar”, o navegador Amyr Klink conta a travessia “solitária” do Atlântico, na qual deixa bem marcada a constatação que, desde a preparação, o conceito, o projeto e a travessia, em nenhum momento esteve de fato solitário. Exatamente por permanecer muito tempo só, pode reconhecer que sozinho ele não teria realizado o feito memorável.
Assim como a vida e a herança genética e cultural que recebemos de nossos pais é o resultado de uma longa jornada através de muitas gerações, muitos movimentos, guerras e demonstrações de força e de superação, os bons resultados de um projeto, (mesmo o de Amyr Klynk), é uma obra de muitas mãos, algumas que ficaram no passado, outras que passarão antes que o projeto chegue a seu termo. Mas ainda assim, presenças indispensáveis na vida do sistema. Se você curtiu A Invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorcese, ou Avatar, de James Cameron, você bem sabe: nenhuma engrenagem é dispensável para que um mecanismo se mantenha funcionando, nenhum detalhe é desprezível para o perfeito e delicado equilíbrio da vida. Nas entranhas dos sistemas vivos desenvolve-se uma rica aventura, muito mais épica do que um olhar superficial possa perceber.
(*) Almir J. Nahas é profissional de comunicação, pesquisador e consultor
sistêmico, terapeuta e instrutor.