Almir Nahas

O espírito humano e a caixa d’água

Por Almir Nahas(*)

Um dos meus mais antigos amigos chama-se Itamar Ferreira Diegues. Durante um período especial de minha juventude, éramos inseparáveis. Hoje eu não sei quase nada dele, mas sua presença em minhas memórias é sempre feliz.

Um dia decidimos fazer um curso de apicultura, sabe-se lá porque, e então conhecemos o inesquecível Professor Schirmer. Numa das aulas ele se saiu com uma ideia aparentemente maluca, mas da qual não me esqueci mais, e que me serve até hoje. As imagens mais marcantes geralmente são simples e transmitem uma ideia essencial. Lembro até hoje a expressão do Itamar quando ouviu aquilo. Imagino a minha cara de espanto.

Passados mais de 40 anos, não apenas o espanto passou, como eu passei a usar essa imagem para explicar alguns dos princípios da visão sistêmica sobre a vida e como ela funciona, e o que favorece o êxito, o progresso e a felicidade.

Explicando a lição: O que é a caixa d’água? Um reservatório que serve para armazenar água, ou seja, Vida.

Esse reservatório, explicou o nosso mestre alemão, tem um buraco de entrada e um buraco de saída. Se os dois buracos estiverem fechados, a água parada só servirá para criar mosquito, nada entra, nada sai, nada de produtivo será gerado. Uma vida sem interação, sem troca, sem dar ou receber. Uma vida sem vida, povoada de mosquitos… que tristeza!

Se o buraco de saída estiver fechado e o de entrada bem aberto, a caixa d’água vai transbordar, e a água vai sair pelo “ladrão”. Mentalidade acumuladora, avarenta, medo de compartilhar. Atitude que reflete a ideia de que qualquer relação tem que gerar alguma vantagem, um perde e ganha. Receber e não retribuir ou não compartilhar é desperdiçar água, desperdiçar vida.

Se o buraco de entrada estiver fechado e o de saída estiver aberto, a caixa logo ficará vazia. Esta situação reflete a atitude dos orgulhosos, aqueles que acham que estão acima dos outros e que não devem nada a ninguém. São os paternalistas, aqueles que fazem “tudo” pelos outros para depois, consciente ou inconscientemente, não dever nada a ninguém nem precisar reconhecer aqueles que lhe deram e lhe dão, aqueles que fazem a vida ser mais luminosa e radiante. São os solitários que se verão como vítimas da ingratidão alheia. Receber é uma das melhores experiências que a vida pode nos proporcionar, e não se pode negar que, muito antes de dar, desde o nascimento, recebemos muito e é por isso que a vida pode se manter e se desenvolver.

Viver portanto, viver no fluxo, viver plenamente, é ser como uma simples caixa d’água que aceita receber toda a água que puder jorrar, todas as alegrias, grandes ou pequenas, toda a generosidade de seus pais, avós, irmãos, amigos, e assim está sempre grato por tanto que recebe. E afinal, para que tantas bençãos e tantos presentes? Para dar! A caixa d’água cumpre seu destino quando ela dá aquilo que recebe, generosamente, sem medo de escassez. Afinal, como sempre se soube, é dando que se recebe.

Dar e receber é, em essência, relacionar-se. É natural, é simples e essencial, é tão banal quanto viver. Um dia quero ser uma simples caixa d’água, recebendo e repassando tudo. Sem muito esforço, de preferência. Apenas a ação de ser.


(*) Jornalista, facilitador e instrutor de Constelações Familiares e Organizacionais

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